Já conhece Os Respigadores e a Respigadora de Agnès Varda?
Na atualidade encontramos bastantes realizadores dispostos a experimentar as potencialidades do cinema digital, olhando para os seus lados positivos e fazendo verdadeiras obras de arte. A partir de um célebre quadro de Millet, a realizadora belga Agnès Varda faz uma investigação estética, política e moral sobre a vida francesa moderna, observando a tenacidade dos respigadores atuais: aqueles que vivem daquilo que os outros não querem ou deixam para trás.
Em Os Respigadores e a Respigadora (editado em 2000), Agnès Varda é a Respigadora que, testando pela primeira vez uma pequena câmara digital, filma e vai coleccionando as imagens que os outros não querem ver, nem fazer. Os Respigadores e a Respigadora como muitos outros filmes mais marginais, experimentais, ensaísticos, pessoais e subjectivos, explora novas combinações entre o género documental e ficcional, usufruindo das facilidades proporcionadas pelas pequenas câmaras, que permitem custos reduzidos e meios de edição simples.
Estes trabalhos, que se exprimem numa enorme variedade de sentidos, parecem-me estar também a fazer a transição do cinematográfico para o digital, ou a incorporar o digital no cinematográfico, preocupando-se com a memória do cinema e a perpetuação dos modos de fazer cinema.
A obra mais tocante de Agnès Varda
Nos anos 40 aconteceu uma enorme revolução no cinema com o aparecimento de câmaras muito mais pequenas do que se pensava ser possível até então: a caméra-stylo (em tradução livre: câmara caneta) introduziu no cinema um tipo de registo até então impossível e que originou tudo aquilo que se passa hoje em dia nos novos meios de comunicação de massas.
Desde o início do Século XXI entramos numa nova vaga, onde os filmes da atualidade quebram fronteiras há muito definidas, induzindo a urgente criação de novas significações. O modo de registo mudou, a forma de registar também, assim como as teorias que subjazem às diferentes técnicas se alteraram para sempre e terão que continuar a modificar-se. É neste contexto que surge a obra notável de Agnès Varda.
Os Respigadores e a Respigadora é um excelente documentário, que combina a autobiografia e a crítica social, numa tendência comum com o uso dos novos meios digitais. Este filme de Agnès Varda mostra as enormes possibilidades permitidas por uma minúscula câmara, acessível a qualquer um. Esta câmara que é hoje um prolongamento da nossa memória, permitindo a exploração de um campo vasto e inexplorado, torna-se temível para muita gente.
Gostei imenso do filme e, para mim, a mensagem principal é a de que todos temos histórias para transmitir aos outros e o direito de contá-las. Agnés Varda produz um documentário reflexivo fazendo o espetador pensar sobre o próprio meio: o filme (filmando-se a si própria: as suas mãos, o seu auto-retrato, a apanhar camiões com as mãos); conseguindo, talvez por isso mesmo, a sua obra mais tocante numa já longa e reputada carreira.
Quem é Agnès Varda?
Agnès Varda nasceu em Bruxelas (Bélgica) em 1928. Contudo foi em França que iniciou os estudos artísticos (o pai da realizadora era grego e a mãe era francesa), mais precisamente na École du Louvre, onde estudou História da Arte. Mais tarde tornou-se fotógrafa oficial do Teatro Popular Nacional em Paris.
O seu primeiro filme, La Pointe-Courte, era sobre um casal amargurado com um relacionamento periclitante numa pequena cidade pesqueira. Lançado em 1954 foi considerado o precursor da Nouvelle Vague francesa, iniciando de forma brilhante um percurso cinéfilo importante até aos dias actuais. Sempre com foco no realismo documental, feminismo e comentário social, enquanto emana um estilo experimental distinto, Agnès Varda construiu uma carreira admirada e reconhecida pelo mundo do cinema. Além de Os Respigadores e a Respigadora, a realizadora é também muito reconhecida pelas obras Vagabond e As Praias de Agnès, que foi contemplado com o prémio César para melhor documentário em 2009.