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Animação Experimental: um universo de ideias revolucionárias

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Animação Experimental: um universo de ideias revolucionárias

by Marta Reis

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O cinema de animação sempre me fascinou. Em pequena, embora adorasse ir à escola, era ao fim de semana que me levantava mais cedo para ir ver “desenhos” na televisão. Ainda hoje se apanhar um bom filme ou episódio de cinema de animação podem ver-me no meio de uma plateia de pequenitos, enquanto os crescidos conversam sobre coisas de crescidos.

Quando comecei a estudar cinema, escolhi naturalmente disciplinas de cinema de animação, com excelentes professores como Pedro Serrazina e Abi Feijó.

Ao ter contacto com a história do cinema de animação fiquei fascinada com o cinema de animação experimental. E porquê?

É sem dúvida na Animação Experimental que encontramos as ideias mais revolucionárias e criadores que exploram incessantemente, procurando para isso desligar-se de estilos, e que muitas vezes não são devidamente reconhecidas por trabalharem à margem daquilo que na altura é tido como rentável.

Só há avanços quando as pessoas não satisfeitas com aquilo que têm partem em busca de mais e melhor. O artista, com a sua vontade incontrolável de saber mais e de ser ele próprio, inventa. Estas pessoas devem ser valorizadas pelo facto de se terem despido dos preconceitos e das ideias pré-concebidas da época, e em vez de fazerem aquilo que as pessoas esperavam – aquilo que já existia – foram mais longe, exploraram, inventaram novos meios e inovaram os conceitos.

Sinto uma enorme curiosidade acerca das pessoas que criaram as inovações, como tiveram as ideias, que dificuldades atravessaram e como as criaram. Alguns destes admiráveis indivíduos são hoje, finalmente e merecidamente, reconhecidos, mas ainda muito negligenciados a nível da crítica, pois apesar de se admitir o génio de muitos artistas pouco se discute as qualidades estéticas e o sucesso dos seus filmes. É nestes artistas que se baseia este artigo.

Pioneiros do Cinema de Animação Abstracto

Léopold Survage, Viking Eggeling e Hans Richter partilhavam um passado em pintura, artes gráficas e música, além de terem sido pioneiros na animação. Survage iniciou o seu trabalho em animação em 1912 e foi aí e por intermédio de outros artistas que conheceu Eggeling e Richter. Ruttman era também violinista, violoncelista e pintor, e foi o primeiro a ver exibido o seu filme de animação “Lightplay Opus I”, em 1921. Mas Eggeling morre em 1925 e os outros artistas deixam também de fazer animação passando para outro tipo de produção de filmes.

Óscar Fischinger, ajudante de construtor de órgãos e engenheiro, é o primeiro a juntar talentos técnicos, musicais e artísticos e a dedicar a sua vida à animação abstracta.

Por volta de 1935 desenvolve-se a animação abstracta em Inglaterra com Len Lye e Norman McLaren que, ao introduzirem experiências ao nível da cor e do som, lhe trouxeram um novo vigor e frescura. A animação abstracta cresceu depois nos EUA e no Canadá, transformando-se principalmente numa arte norte-americana.

Muitos dos filmes destes pioneiros continuam ainda hoje inigualáveis, sendo impossível quantificar a sua importância.

Len Lye

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Len Lye fez o primeiro filme sem câmara “Colour Box”, em 1935, considerado o primeiro filme de animação pintado diretamente na película e mostrado ao público. Realizou ainda outros filmes com a mesma técnica: “Kaleidoscope”, em 1935, e mais tarde, em 1940, “Musical Poster”. Muitos dos filmes deste período eram publicitários, continham uma mensagem de tal modo bem inserida que deixava os espectadores bem acordados e dava ao patrocinador muito prestígio.

Lye usou ainda outras técnicas, durante a guerra dirigiu documentários e nos Estados Unidos realizou diversos filmes. Desde então fez poucos filmes de animação, alguns publicitários, mas o pouco reconhecimento e falta de subsídios para fazer mais filmes levaram-no a deixar o cinema, depois de 30 anos de dedicação. Vira-se então para a escultura cinética, que lhe vai trazer algum reconhecimento, utilizando peças metálicas que prolongam o seu movimento e ao mesmo tempo também o som, pelo embate com outras peças. Novamente demonstra a sua necessidade de criar movimento.

Norman McLaren

Norman McLaren foi reconhecido mundialmente pela sua animação experimental criando animação direta, sem câmara, som “desenhado” à mão, filmes tridimensionais e muitas outras técnicas. Mas parece ter sido o espírito único e universal presentes na enorme quantidade e qualidade do seu trabalho que o fizeram ganhar esse reconhecimento.

Trabalhou no General Post Office Film Unit, com Mary Ellen Bute em Spook Sport, na Solomon Guggenheim Foundation e depois no National Film Board of Canada, onde ficou até ao fim da sua vida. Nunca foi conhecida outra associação tão longa como esta, e à liberdade e apoio financeiro recebidos McLaren respondeu com um sentido único de responsabilidade.

Os seus colegas descrevem-no como uma pessoa calma, tolerante, compreensiva e como um grande professor. A sua preferência pelos filmes de baixo orçamento deve-se ao facto de achar que ao ter menos dinheiro para investir num filme isso o aproxima ainda mais da animação experimental, pois quanto mais limitados forem os meios mais é necessário estimular a imaginação para novas direções de pensamento e de realização.

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Utilizou métodos como o desenho direto na película com caneta e tinta em filme branco de 35 milímetros, sem o uso de câmara. Outro método foi o mesmo que é usado para fazer cartoons em que se desenha primeiro em papel, depois em folhas de celuloide com contornos a tinta que são preenchidos com tinta opaca e postos por cima de um segundo plano, pintado em papel ou cartão, e depois fotografado. O terceiro método foi o das marionetas de papel articuláveis.

Entre os seus filmes estão: “Hen Hop” (1942) – as imagens foram riscadas diretamente numa película de 35mm e a cor foi depois acrescentada. É a interpretação visual de uma dança canadiana e também um anúncio publicitário; “La Poullette Grise” (1947) – foi desenhado num cartão com giz branco, tal como um quadro, que em cada novo estádio de evolução era fotografado. Esta nova técnica que McLaren criava, pode ter aproximado a pintura da animação; “Begone Dull Care” (1949); “Two Bagatelles” (1952); “Neighbours” (1952); “Blinkity Blank” (1954) e “Pas de Deux” (1969).

As diferenças entre Norman McLaren e Len Lye

Muitos críticos atribuem a importância das técnicas a quem primeiro as inventou e usou, e é nesta discussão que muitas vezes se perdem. Mas a verdadeira questão devia ser se a obra de um artista é interessante e não se foi ele o primeiro a fazê-lo.

Outra das discussões é o enquadramento do artista numa corrente artística, tentando “arrumar a arte em prateleiras”. E o que acontece com McLaren é que alguns autores não enquadram o seu estilo em nenhuma corrente pois consideram os seus filmes desprovidos de objectivos.

Outros acham que por ele manipular a dinâmica do movimento, apenas com o objectivo de criar prazer através de uma sensação, é automaticamente pós-moderno. O seu trabalho pode não encaixar totalmente nos requisitos do pós-modernismo, principalmente por terem sido usados diversos estilos, tanto a imagem real como a animação, mas não pode por isso ser menosprezado, deve pelo contrário ser ainda mais valorizado uma vez que foi singular e original.

O filme “Colour Box”, de Len Lye, é por outro lado visto como o filme da avant-garde mais radical da década de 30, isto parece ser um ponto assente entre a plateia crítica, e o seu trabalho, de um modo geral, parece ser mais rapidamente aceite. Não será um pouco irónico uma vez que o trabalho de McLaren, recheado de simbolismos, é acusado de desprovido de objectivos. Será realmente mais facilmente assimilável? Ou será um efeito retardado de culpa da parte da crítica?

Considero estes dois homens simplesmente geniais, mas só depois de ver filmes que retratam a vida e obra de cada um deles, quando “estive” na mesma sala que eles e os vi a trabalhar é que consegui perceber os diferentes caminhos que ambos percorreram e os diferentes objectivos que tinham, apesar de o dominante ser comum – o de criar movimento.

Enquanto McLaren utilizou muito mais a vida real nas suas animações, Len Lye desenvolveu muito mais o desenho animado abstracto, e um desenho bem diferente do de McLaren, que não nos reporta para nenhuma outra realidade, nem é esse o seu objectivo, pois não contém metáforas, simbolismos ou qualquer jogo de linguagem / imagem como é comum com McLaren. O prazer de Len Lye é o das coisas simples, de visualizar um desenho agradável mesmo que este não tenha qualquer significado, é ele próprio que o afirma.

Norman McLaren procura incessantemente caracterizar coisas através de simbolismos, o que se verifica analisando algumas figuras que evoca várias vezes, nomeadamente os animais: as aves e as suas patas, tesouras, etc.. Enquanto Len Lye procura sempre o traço mais simples e o desenho mais primitivo, como podemos ver no seu primeiro filme “Tusalava”, que descobre na arte aborígene e em encontros com o seu inconsciente.

O Futuro da Animação Experimental

O aumento de escolas que ensinam a criar cinema de animação abriu oportunidades a um círculo mais vasto de pessoas, propiciando ao alargamento do número e tipo de animadores, o que se reflete no trabalho dos animadores. A expansão dos mais variados estabelecimentos de ensino atinge maiores graus de qualidade e também de concorrência.

O crescimento das novas tecnologias, principalmente o desenvolvimento dos computadores possibilitam uma maior rapidez, eficácia, possibilidade de visualização na altura e trabalho do som e da imagem ao mesmo tempo.

A rápida evolução destes meios tecnológicos mostram-nos a velocidade com que se desenvolverão inovações no futuro, e quem sabe o que surgirá?! Provavelmente num futuro mais próximo do que imaginamos o conceito de animação e a nossa percepção visual serão completamente revolucionados.

Prevê-se que haja um desenvolvimento de meios tridimensionais e holográficos, devido à vontade humana de representar volumes e espaços reais. Os efeitos mais complexos, tais como: transparências, reflexos, sombras, contornos orgânicos e naturais, são também simulados de modo real pelas novas tecnologias.

Mas a animação “manual” nunca perderá o seu interesse e valor pois é uma expressão artística única, o que é comprovado pelo facto de ser feita tanto pelos artistas já conceituados como pelos mais novos.

Estes dois meios de trabalhar a animação complementam-se, aumentando o número de possibilidades e de potencial para a animação experimental do futuro.

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