Room e 10 Cloverfield Lane desafiam o Cinema Previsível
Se passas muitas horas da tua vida a ver filmes, já te deves ter deparado com o problema que aflige todos os cinéfilos: passado algum tempo os filmes começam a tornar-se extremamente previsíveis. E são previsíveis porque a histórias seguem as mesmas regras e estruturas que existem há séculos, e acabaram por fazer do cinema um modelo ou fórmula de vender de bilhetes, o que faz com que tenhamos de ver o herói lutar contra o vilão enquanto eles destroem carros e edifícios (e carros em cima de edifícios) durante quarenta minutos apesar de já sabermos que ele o vai vencer no final.
Não que um filme de acção (ou terror ou fantasia ou thriller) seja mau por definição, mas quando um filme tem de obedecer a certas fórmulas e truques do género em que se insere é fácil saber o que vai acontecer na história, e assim menos excitante. É aí que filmes recentes como Room (2015) e 10 Cloverfield Lane (2016) entram em cena, filmes com apelo comercial que distorcem os géneros e desafiam a previsibilidade dos filmes de hoje em dia.
Como Room e 10 Cloverfield Lane provam que há mais além do Cinema Previsível
ROOM (2015)
Room conta a história de Joy (Brie Larson) e o seu filho Jack, que vivem juntos num minúsculo quarto de onde não podem sair. A razão do cativeiro de Joy e o Jack vai se revelando lentamente num filme que mistura géneros, estruturas e expectativas, mas que consegue acabar ainda com um drama bem desenvolvido.
10 CLOVERFIELD LANE (2016)
Sendo o segundo na antologia Cloverfield, o filme conta uma história inédita com Mary Winstead no papel de Michelle, uma mulher que tem um acidente de carro acorda no bunker subterrâneo de Howard, um ex-militar paranóico que lhe diz que o mundo que ela conhece acabou e o ar lá fora é tóxico.
São óbvias as semelhanças entre os dois filmes: ambos contam a história de uma mulher presa num quarto contra a sua vontade com um psicopata perigoso, e uma terceira pessoa com quem a protagonista planeia fugir. Mas para além do óbvio, o que também une estes filmes é precisamente o contrário do que une a maioria: a sua imprevisibilidade.
Nos primeiros minutos de Room pensei que estava a ver um drama indie de estilo documental. Mas depois de um quarto-de-hora de um drama realista em que nada se passava, o filme conseguiu criar tensão e mistério nos momentos certos e comecei a ficar envolvido cada vez mais na situação de Joy e Jack, e a pensar que pela primeira vez em muito tempo não fazia a mínima ideia de para onde o filme ia. Quando a tensão aumentou na cena de perseguição eu não estava á espera que o filme acabasse mas queria sim saber o que ia acontecer.
Da mesma forma, 10 Cloverfield Lane parece acertar no nervo miudinho de quem gosta de cinema comercial mas está farto de narrativas ‘copy-paste’ da maioria dos filmes, uma história que mistura os géneros como nunca vemos nas salas de cinema. Mais uma vez, ia já a três quartos do filme e entre toda a sabedoria, paranóia e loucura que envolvem Howard, muito bem representado por John Goodman, o filme cria um suspense no qual o espectador fica também paranóico sobre o que afinal é verdade.
Seria fácil pegar nos dois filmes e tentar delinear os três actos como “introdução, desenvolvimento, conclusão”. Mas ambos quebram o convencional da mesma forma: o terceiro acto não é a conclusão do segundo. Num filme de sequestro como Room, o mais espectável era que a história concluísse pouco depois da fuga das personagens. Mas o filme continua ainda muito depois da fuga, enquanto seguimos Joy e a sua dificuldade em volta a uma vida ‘normal’ depois do trauma. Em Cloverfield, o último acto é um filme de ficção-cientifica em si mesmo, que começa com uma revelação gigantesca que não tem nada a ver com o que se passou no acto anterior.
Nos dias em que os filmes de super-heróis previsíveis e cansativos dominam, Room e 10 Cloverfield Lane são a esperança de que possa haver uma nova tendência de cinema mais imprevisível e “gender-bender” no futuro, filmes que misturem géneros e que nos consigam surpreender ao ponto de não sabemos para onde a história vai, mas que nos façam querer ver o que acontece com as personagens no final da história.