As Horas: um dia na vida de três mulheres em tempos diferentes
Lembro-me que ao terminar o filme As Horas ocorreram-me três perguntas. Primeiro, como é possível fazer um filme tão bom e ao mesmo tempo tão triste? A coordenação entre elenco, história e banda sonora é perfeita.
Segundo, como é que ainda não tinha visto aquele filme? Estava no meu 12.º ano e por essa altura As Horas, lançado em 2002, tinha já oito anos. Claro que já o vira no expositor da Fnac e até mesmo na casa de uma amiga, mas nunca me tinha sentido compelido a ver.
E, por último, fiz uma pergunta que todos os espectadores devem ter feito: de certeza que a atriz que interpreta Virginia Woolf é Nicole Kidman? A única semelhança que conseguia encontrar entre a personagem no ecrã e a atriz eram os olhos azuis, tudo o resto era diferente. Mas sim, era mesmo a Nicole Kidman e a sua representação no filme foi de tal forma exemplar que voltou a receber um Óscar da Academia, desta vez pelo papel secundário.
Neste post, falo um pouco sobre o filme As Horas e porque razão vale a penar ver.
As Horas: as três faces de Mrs. Dalloway
A abertura do filme começa com um momento dramático, bem conhecido de todos os fãs de Virginia Woolf, a autora britânica que escreveu clássicos como Mrs. Dalloway, As Ondas e Orlando. Em 1941, atormentada por uma depressão, Virginia Woolf sai da casa numa pacata vila em Sussex, Inglaterra, longe do frenesim de Londres e, com os bolsos do casaco cheios de pedras, entra no rio e põe termo à sua vida. Não considero que ao fazer esta revelação esteja a estragar a história do filme para ninguém. É facto bem conhecido que a escritora se suicidou.
O filme prossegue então focando-se em três personagens. A própria Virginia Woolf (Nicole Kidman), desta vez em 1923, no dia em que começa a escrever o célebre livro Mrs. Dalloway. Em 1951, alguns anos depois do suicídio de Virginia, Laura Brown (Julianne Moore) espera o seu segundo filho, tenta viver o sonho americano e começa a ler Mrs. Dalloway. Em 2001, em Nova Iorque, Clarissa Vaughan (Meryl Streep) prepara uma festa em homenagem ao amigo que vai receber um prémio literário e, inconscientemente, segue os mesmos passos que Mrs. Dalloway, a personagem do livro de Virginia Woolf.
Se quisesse resumir o filme numa frase, bastava-me dizer que é sobre uma mulher que escreve uma história, uma mulher que a lê e uma mulher que a vive. Mas há muito mais em As Horas. Eventualmente, a vida das três mulheres cruza-se subtilmente e as personagens, mesmo que afastadas no espaço e no tempo, partilham fardos semelhantes, todos eles relacionados com a efemeridade da vida e a mortalidade.
Pelo lado de Virginia Woolf, assistimos ao início do processo criativo de Mrs. Dalloway, às saudades que sente do frenesim londrino que a terá deixado no vértice da loucura e ao aborrecimento da sua vida em Sussex. Ao receber uma visita da irmã Vanessa, que traz consigo o próprio espírito londrinho, Virginia expande-se emocionalmente. Ao brincar com a pequena sobrinha Angélica, encontram um passarinho morto e fazem-lhe um funeral, momento que nos lança uma vez mais numa introspecção sobre a vida e a morte.
A história de Laura Brown é também marcada por melancolia e tendências suicídas, provavelmente derivado da leitura de Mrs. Dalloway. Percebemos que está presa a um casamento que não a deixa feliz, apesar de se esforçar para que tudo resulte. Grávida, passa o dia na companhia do filho Richie e prepara o jantar de aniversário para o marido. O pequeno Richie observa a mãe e tenta perceber porque razão se esforça tanto para fazer um bolo perfeito.
Por fim, temos a história de Clarissa. Esta terceira personagem está a organizar uma festa para o amigo, pela ocasião do prémio literário que recebeu pelo livro. Uma série de amigos e fantasmas do passado prometem estar presentes para a festa. Mas Clarissa tem de se debater com o amigo, Richie – o filho de Laura, agora crescido – que não quer ir à festa. Richie sofre de HIV e acredita que Clarissa está presa a ele, dedicando-se a outros para não pensar na trivialidade da sua vida.
O filme termina como começou, com imagens do suicídio de Virginia Woolf e com uma frase que nos deixa a pensar: Sempre os anos entre nós. Sempre os anos. Sempre o amor. Sempre as horas.
Mas o que quis dizer Virginia Woolf ao falar das horas? Esta frase, que pertence à carta de suicídio que a autora deixou ao marido Leonárd, é a sua despedida e parece, a meu ver, transmitir a ideia de que falhou na vida, incapaz de atingir as metas que se tinha prometido a alcançar. As Horas faz-nos pensar em como ocupamos o nosso tempo enquanto vivemos: como ocupamos as nossas horas horas para construir significado? Quantas horas no restam para deixarmos uma marca?
Um dos meus filmes favoritos de todos os tempo <3