Gone Girl: um thriller onde nem tudo é o que parece
Realizado por David Fincher, Gone Girl (cujo título em português é Em Parte Incerta) vive do dualismo entre duas personagens que formam um casal. Falamos de Nick Dunne, interpretado por Ben Affleck; e Amy, na figura de Rosamund Pyke, atriz que à conta da interpretação recebeu a sua primeira nomeação para um Óscar. Ambos desempregados, os dois jovens casados decidem deixar Nova Iorque e mudam-se para uma pequena cidade do estado do Missouri. Entretanto, Amy desaparece.
E assim começa aquele que foi provavelmente o thriller mais aclamado de 2014. Num ambiente pesado de suspense, David Fincher leva o espetador a acreditar que tudo poderá acontecer àqueles dois personagens. Mestre da arte da perceção, o realizador leva-nos a fazer julgamentos prévios, para logo a seguir os desfazer e voltar a construir. Se apenas um adjetivo tivesse de ser escolhido para classificar Gone Girl, “imprevisível” seria um que se aplicaria.
A atmosfera densa está repleta de analepses, através das quais acompanhamos o começo da relação de Nick e Amy. Diferentes perspetivas formam uma imagem de um casal aparentemente feliz, mas cuja felicidade é apenas a camada superficial de uma relação que é tudo menos simples. “Nem tudo é o que parece” pode até ser um chavão, encaixa-se perfeitamente.
Gone Girl: mais do que uma história
O filme resulta da adaptação ao cinema de um livro com o mesmo nome da autoria de Gillian Flynn e, por detrás da narrativa aparentemente banal, escondem-se temas que fazem todo o sentido à luz dos dias de hoje.
Falamos, por exemplo, de como os media influenciam a opinião pública (condenando ou absolvendo mesmo antes do julgamento) ou de como as aparências ainda são uma parte importante da sociedade. Mais do que uma história, Gone Girl é também o retrato de um tempo com valores em decadência.
Com uma perspetiva inovadora, Gone Girl subverte o cliché de “tudo está bem quando acaba bem”. Também os papéis de vítima e agressor são invertidos e misturados por personagens com moralidade cinzenta e, pelo menos num dos casos, até sociopática.
Genialmente concebido, o filme divide-se em duas partes: a primeira onde vemos o mundo através de Nick, que tenta encontrar a esposa; e a segunda, na pele de Amy, altura em que começamos a perceber o que afinal se passou.
Por sua vez, se a primeira hora de filme pode até parecer previsível e, de certo modo, aborrecida, a partir da segunda o ritmo de acontecimentos acelera, dando-se uma total subversão das ideias que até aí tínhamos criado.
O elenco do filme conta com a participação de vários outros atores que ajudam a construir uma narrativa sólida e interessante. Entre eles destacam-se, Carrie Coon, no papel de Margo Dunne, irmã de Nick; Neil Patrick Harris que faz de antigo namorado, obcecado por Amy; Tyler Perry, um advogado carismático especializado casos mediáticos; e Kim Dickens, no papel de detetive, cuja personalidade faz lembrar a de Marge Gunderson, em Fargo.
O sucesso de Gone Girl
Gone Girl conseguiu a proeza de reunir consenso entre o público e a crítica. Além das excelentes audiências no cinema, o thriller psicológico foi muito elogiado pela escolha dos atores, sendo que a principal atenção vai para Rosamund Pyke. De acordo com o Los Angeles Times, Gone Girl mostra “as coisas incríveis que acontecem quando realizador e material se adequam na perfeição”.
Joshua Rothman no The New Yorker chegou mesmo a afirmar que uma das mais valias do filme está no facto de os “heróis e vilões de Fincher não serem pessoas, mas sim histórias”. O especialista estabelece ainda uma comparação com o clássico de 1999, Fight Club, onde o realizador põe em evidência o lado “mais estranho, confuso e perturbado de nós próprios”.
David Fincher continua o mapeamento dos recantos humanos mais obscuros. Recomendo vivamente uma (re)visão de Zodiac, um filme que faz eco de Gone Girl no seu obsessivo processo de busca da “verdade”. António Araújo
Os atores estão ótimos mas, o despiste à polícia e a aceitação da situação pelo cônjuge, mesmo se tratando de ficção, é duro de engolir.