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Será Jean-Luc Godard o autor mais icónico da Nouvelle Vague?

Será Jean-Luc Godard o autor mais icónico da Nouvelle Vague?

by Marta Reis

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Segundo a teoria do cinema de autor, desenvolvida na Nouvelle Vague, os realizadores não são apenas uma figura semelhante ao escritor de romances, são capazes de escrever romances na linguagem audiovisual do cinema. Isto, porque estes jovens realizadores acreditavam que o cinema é uma forma de arte, como qualquer outra, permitindo ao artista uma forma de expressão.

Uma Nova Vaga de realizadores franceses começou a impor-se em meados dos anos 50, mas é em 1959 que se afirma verdadeiramente, pois é neste ano que as três maiores figuras deste movimento François Truffaut, Alain Resnais e Jean-Luc Godard completam os seus primeiros filmes.

Jean-Luc Godard será possivelmente o autor mais característico do movimento e também o que o terá influenciado mais.

Neste artigo analisamos a Nouvelle Vague a partir do filme À BOUT DE SOUFFLE (1960).

A Nouvelle Vague e À BOUT DE SOUFFLE de Jean-Luc Godard

Escrito por Jean-Luc Godard, a partir de uma história de Truffaut À BOUT DE SOUFFLE foi filmado em Paris e Marselha, em quatro semanas e com pouquíssimo dinheiro, este era o ideal da Nouvelle Vague. Mas ao contrário do que se poderia prever, este filme revelou-se um sucesso, gerando bastante dinheiro, o que assegurou o futuro próximo do movimento.

Inspirado nos filmes de gangsters de série B, é uma crítica parodiada, mas também um tributo ao cinema americano, tal como outros dos seus primeiros filmes: LE PETIT SOLDAT (1960), UNE FEMME EST UNE FEMME (1961), BANDE À PART (1964), entre outros.

É a história de um jovem ladrão, sem qualquer moral, Michel, que foge da policia.

Logo no início do filme a personagem fala diretamente para nós. Em certas alturas que seria normal haver planos e contra planos, por exemplo quando Michel e Patrícia, a sua namorada americana, estão no carro a conversar, só a vemos a ela e continuamos a ouvir Michel a falar.

O filme faz ainda uma contraposição entre França, ou a Europa, e os EUA nos anos 60, através da mulher emancipada e mais sofisticada (Patrícia) e de os carros serem todos importados dos EUA.

Todo o filme é amoral, pois os dois personagens principais também o são, ambos apenas pensam em si próprios e no momento presente. Nenhum deles consegue estar parado e só querem ser livres. Patrícia não se quer comprometer e nunca renuncia a sua liberdade mas Michel parece acabar por se apaixonar.

Contém as técnicas mais características do cinema da Nouvelle Vague: o uso de câmara manobrada, filmagens in loco, uso de luz natural, enredo e diálogos improvisados e captação de som direto.

De inovação radical foi a edição elíptica, ou recortada, recorrendo à utilização de cortes no meio de uma filmagem continua, ou cortes entre cenas mal reunidos, criando uma descontinuidade no tempo e espaço do filme, destruindo a continuidade da experiência do espectador e chamando a atenção para o meio em si.

Godard retirou ainda pedaços às cenas que recortava, juntando novamente as partes e criando uma elipse completamente irreal na ação, chamando mais uma vez a atenção ao poder do realizador na manipulação do meio. Estes cortes acontecem durante todo o filme, provocando a ausência de planos gerais e criando uma descontinuidade no tempo visual mas, mantendo a continuidade das cenas e do filme, devido à continuidade do tempo auditivo.

 

Este autor faz ainda uso de planos sem continuidade e de planos não motivados. As funções destas inovações são puramente estéticas, estão para além da temática e da narrativa, são apenas usados porque o realizador acha que fica melhor, tal como fazia Orson Welles. Com tudo isto a montagem vai perdendo a sua continuidade.

Em À BOUT DE SOUFFLE uma sequência que tradicionalmente demoraria imenso tempo, com filmagens das diversas ações, é transformada numa junção de pequenas cenas muito rápidas, graças à grande quantidade de cortes.

Godard recorre também ao uso de zooms, fazendo vários close-ups, que muitas vezes não nos permitem identificar o que estamos a ver, e só depois faz cortes ou puxa a câmara para trás para nos mostrar o que se passa, contrariando mais uma vez o uso tradicional do zoom.

 

 

Tudo isto, que é hoje de uso comum, provocou uma enorme confusão no público da altura, habituado a um estilo invisível ou de continuidade mas, não foi mais do que a continuação das experiências realizadas pelos pioneiros do cinema, chegando a um ponto em que certos realizadores deste movimento começaram a desconstruir totalmente a narrativa, tornando-se já cinema experimental.

O filme não tem um final reconciliatório, criticando o cinema feito como fantasia reconfortante doso EUA. Os realizadores da Nouvelle Vague estão fartos de finais felizes, portanto À BOUT DE SOUFFLE tem um final bem mais interessante fazendo uma piada ao cinema americano, com a interminável e irónica tentativa de fuga de Michel.

Estes jovens realizadores foram a primeira geração com educação cinéfila. Não tinham formação, mas tinham uma cultura cinematográfica enorme, tendo muitos deles escrito teoria e crítica de cinema nos Cahiers du cinéma durante muitos anos, até começarem a fazer cinema, revoltados contra o sistema industrial.

Também não tinham dinheiro, nem tinham qualquer interesse em copiar quaisquer modelos já existentes. Esta nova abordagem ao cinema que criaram, concede ao cinema uma enorme liberdade pois eles reinventam um cinema em que já tudo tinha sido inventado. Devido aos poucos meios de que dispõem, usam o mais simples. Chegam com a câmara a um sítio e filmam.

Este movimento acreditava que o cinema era uma forma de arte que proporcionava ao artista um meio de expressão tão rico e sensível como qualquer outro. Quebraram com as regras que achavam impedir o cinema de atingir a sua expressão total, revitalizando o cinema que se fazia nos anos 60 e revolucionando o cinema narrativo que se fazia à época.

Godard terá talvez sido o realizador mais inovador e radical da Nouvelle Vague, tendo rejeitado o cinema narrativo e experienciando o cinema. Intelectual e cheio de ideologias, deposita nos seus filmes autocríticas e interrogações acerca do próprio cinema. Os seus filmes estão constantemente a lembrar-nos de que estamos a ver um filme, sendo reflexivos acerca do processo e natureza do filme em si.

Conseguiu manter a sua independência fazendo os seus filmes em pouco tempo e com baixo orçamento, tendo feito mais de quarenta desde À BOUT DE SOUFFLE, e continuando a quebrar com as convenções cinematográficas!

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