A Favorita explora a ideia de substituição através de 3 mulheres intensas
Nomeado para 10 óscares em 2019, a 8ª longa do realizador grego Yorgos Lanthimos, A Favorita, é um filme intenso que brinca constantemente com a tensão criada entre as personagens centrais interpretadas por Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone.
Este triângulo feminino de mulheres de gerações e posições de poder distintas, recordou-nos o ainda actual e fulminante All about Eve, de Joseph L. Mankiewicz, em 1950, com a potente Bette Davis.
Em A Favorita, Lanthimos apresenta-nos, no contexto da corte Britânica no período da Guerra da Sucessão Espanhola, uma rainha débil e feia, marcada pelo tempo, cansada e doente, perseguida por fantasmas; contrastando toda a sua afasia com a alegria e festa da corte.
Não é, no entanto, o contexto que é pertinente, a narrativa da guerra e da força que a combate é minimizada e a própria rainha secundarizada, desenvolvendo-se a sua história em dessincronia com a intriga principal, acentuando-se sim a tensão entre as personagens. A rainha mantém uma relação sexual e de aparente submissão com uma outra mulher de influência na corte, Lady Sarah (Rachel Weisz).
Esta relação, tacitamente reconhecida na corte, é posta em causa com o aparecimento de uma jovem, prima da amante, Abigail (Emma Stone), ex-senhora agora caída em desgraça que traça a sua ascensão na corte através de uma sedução múltipla de Sarah e da rainha, até por fim destituir Lady Sarah e adquirir a sua posição na corte.
Em All about Eve, Mankiewicz, conta-nos a história de Margo (Bette Davis) uma mulher de poder, tremida pela pressão exercida pela sociedade de Hollywood por estar a chegar aos seus 40 anos. Margo é então seduzida por uma jovem fã, Eve, que se torna sua aprendiz, e que é conduzida pela sua obsessão a ocupar o seu lugar sub-repticiamente.
A última cena do filme, sugere que a história se repete novamente, com o aparecimento de uma nova jovem actriz, disposta a tudo para também ela conquistar o lugar de pódio e destituir Eve.
Se em A Favorita, Abigail luta por ocupar o lugar de Sarah no coração da rainha e na corte, em All about Eve, Eve luta pelo lugar de Margot em Hollywood.
Em ambos os filmes todas as personagens principais são mulheres e o universo é completamente feminino, sendo os homens joguetes acessórios nas suas mãos e, em ambos os filmes, a ideia de competição, poder e fardo estão presentes. Tanto Eve, como Abigail, apercebem-se tardiamente que com a conquista vem a queda.
Não só não há forma limpa de chegar ao poder e de o usar como, uma vez tendo-o, a segurança e plenitude prometida quebram-se. Eve e Abigail descobrem que apenas lhes é permitida a ilusão da plenitude do poder.
Lanthimos apresenta-nos Lady Sarah ao espelho de Margot, mulher forte e guerreira, que ciente da podridão da sociedade que a rodeia, e na qual adquiriu supremacia, aceita estoicamente o fardo e sacrifício da posição que tomou. Ambas as personagens lutam por se manterem mas cedo cedem, elegantemente, perante a inevitabilidade da substituição.
É esta a grande força que une os dois filmes, separados por mais de meio século, a ideia de substituição.
A substituição é um tema atribuído quase que em exclusivo ao universo feminino e, nestes dois casos, numa perspectiva bastante masculina – cabe à mulher ambiciosa tomar o lugar de outra, substituindo-se e não acrescentando-se, sendo a causa do branqueamento da anterior.
Se os homens adquirem o direito à eternidade da história, e à conquista da folha em branco, as mulheres estão sempre em risco de serem esquecidas, suplantadas. Lady Sarah e Margo carregam o peso de saberem que são Medeia, mas Medeia acorrentada, resignada e submissa ao papel do que foi e já não lhe permitem ser.