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Recordações da Casa Amarela: a escuridão e luz de João César Monteiro

Recordações da Casa Amarela: a escuridão e luz de João César Monteiro

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João César Monteiro (1939-2003), foi um cineasta português que a par de Manoel de Oliveira, Paulo Rocha e Fernando Lopes se destacou no cinema produzido em Portugal na segunda metade do século XX pela sua originalidade e rigor intelectual.

João César Monteiro marcou indelevelmente a forma como se pensa, faz e lê o cinema em Portugal, tanto enquanto cineasta e ator, como enquanto escritor e crítico de cinema. Debruçamo-nos neste texto sobre um dos seus filmes mais importantes: Recordações da Casa Amarela.

O filme Recordações da Casa Amarela acompanha a vida de João de Deus, no caminho obscuro e descendente das misérias de Lisboa, numa pensão, de dona altiva e seca, que culmina num episódio frustrado de vislumbre de amor (Celestiais peitinhos de rôla; serei pó, mas pó enamorado) e na morte da mãe (Pietá de joelhos, sagrada).

João de Deus, na miséria total, passa por um Stroheim reencarnado e acaba na casa de loucos Miguel Bombarda, onde reencontra Lívio (o mensageiro, vindo de Quem espera por sapatos de defunto morre descalçoLuís Miguel Cintra, dobrado por João César Monteiro 20 anos antes, e que reaparecerá, de novo mensageiro, em as Bodas de Deus).

João César Monteiro: da escuridão até à luz

O primeiro filme do que é tido como a trilogia de João de Deus, que ganhou o Leão de Prata no Festival de Veneza de 1989, começa na escuridão. Lê-se, em epígrafe, o que se anuncia como um subtítulo do filme: “na minha terra chamavam casa amarela à casa onde guardavam os presos” – relação com Recordações da Casa dos Mortos de Fiódor Dostoiévsky.

Da escuridão inicial, passamos para o plano iluminado de Lisboa, um plano contínuo de fora para o interior da Madredeus (referimos, em 2003 o plano contrário, do Tejo para o mar, em Um filme falado, de Manoel de  Oliveira).

As apropriações (mais apropriações que evocações) são muitas ao longo do filme (Guerra Junqueiro, Céline, Stroheim, Nosferatu, Schubert, Mozart e Vivaldi, …) e constroem uma narrativa própria colada à narrativa principal.

 

São referências externas, referências a obras no filme, a obras fora do filme, a obras de outros filmes de JCM, a factos da sua vida, a textos, a pessoas. Há também uma apropriação de personagens, de atores, de gente para dentro do filme e do filme para fora dele como é o caso da atriz  Manuela de Freitas, que foi Maria, foi Sara, é Violeta, será Judite e será irmã Bernarda.

Curioso ver João Bénard da Costa, que é Duarte de Almeida, e que é Ferdinand, e que nos introduz a João de Deus, aquando a cena inicial do restaurante; até aí, João é só silêncio, modéstia e discrição.

Como na epígrafe, da escuridão, João de Deus, ascende à luz. É ao som do melro (o som, com uma importância extrema – não fosse Joaquim Pinto um dos produtores), na aurora da madrugada (recordando Passeio com Johnny Guitar), que se nos apresenta como uma clarividência, que João de Deus se torna outro.

É Nosferatu, é Max Schreck, é Max Monteiro na futura Comédia de Deus, é João César Monteiro.

 

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