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Citizen Kane, o filme que consagrou o realizador Orson Welles

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Citizen Kane, o filme que consagrou o realizador Orson Welles

by Marta Reis

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Orson Welles foi simultaneamente autor, ator e realizador de Citizen Kane (O Mundo a Seus Pés), estreado em 1941. O sucesso do filme foi tal que não tardou a valer a Welles o Óscar de melhor argumento pela Academia Norte-Americana.

No entanto, o que há de especial em Citizen Kane? Para começar, vamos partir de alguns aspetos técnicos. A película foi gravada durante 15 semanas, em Hollywood. As filmagens foram envolvidas de um extremo segredo, o que fez com que as pessoas duvidassem da natureza do filme. A montagem do filme, por sua vez, durou 9 meses.

A sua estreia foi várias vezes adiada, devido a boatos que corriam acerca do filme. Mas o dia da sua premiére trouxe-lhe o sucesso merecido e a crítica delirou de entusiasmo. Apesar de ter sido feito com um orçamento apertado, este filme foi desastre a nível comercial, talvez por estar acima da mentalidade do público que, à época, certamente não o compreendeu.

Citizen Kane é um forte testemunho crítico da sociedade americana da época, tendo garantido ao seu autor um lugar de destaque na história do cinema. Neste artigo chamamos a atenção a alguns dos contributos deste filme para a evolução da linguagem cinematográfica, analisando algumas cenas do filme.

A inovação em Citizen Kane

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Em Citizen Kane a ordem cronológica não é de todo respeitada e dá-se a introdução do flashback na linguagem cinematográfica. O ponto de vista deixa de ser neutro e influencia as perspectivas que podem ser formuladas acerca da história; recupera, características expressionistas, tais como, o uso de contra luz, claro-escuro, o esfumado e a distorção da imagem e do som. Também os ângulos de câmara que escolhe e o tratamento do som são muito inovadores, suportando toda a estrutura hierárquica da narrativa.

Orson Welles inova na decomposição do tempo, na multiplicidade de pontos de vista, com a instituição do realismo do plano-sequência, a técnica das grandes angulares e a planificação com profundidade de campo, que se torna uma técnica constitutiva do sentido do argumento.

Como Welles vinha do meio radiofónico estava muito sensibilizado com o som, atribuindo-lhe uma importância pouco habitual para a sua época, e transferindo-a para o cinema: o silêncio, o eco, a reverberação, o diálogo justaposto e a definição do espaço através do som. Esta sua preocupação cuidada com o som torna a contribuição sonora fulcral para a compreensão do filme.

Como disse o crítico francês André Bazin: Orson Welles trouxe uma forte e original contribuição que abalou “o edifício das tradições cinematográficas”.

Citizen Kane – Proibida a passagem (contém spoilers)

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Citizen Kane começa com a morte de Charles Foster Kane, personagem que terá sido inspirado na vida do magnata da imprensa norte-americana William Randolph Hearst e também na do próprio Orson Welles.

O motor da ação é um jornalista, Mr. Thompson, que entrevista uma série de pessoas próximas do recém-falecido Mr. Kane: o seu tutor, ex-mulher, etc. É durante estas entrevistas que ficamos a conhecer a agitada história do magnata: a sua vida profissional e também a sua vida privada, incluindo os escândalos amorosos.

Cena#1 –  Jornalistas

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A cena começa com o fim repentino da música do documentário sobre a morte de Kane. A ação tem lugar num sítio sombrio, talvez uma cave, com pouca luz que entra por apenas duas janelinhas. Tudo se passa em contra luz, o que é um grande truque para nos fazer seguir apenas aquilo que o autor quer que vejamos.

Este excelente jogo de contrastes faz com que não consigamos ver os personagens mas, ouvi-los e assim percepcionar, através da audição, a hierarquia dos personagens. Somos capazes de distinguir o personagem principal da cena em questão, que é o primeiro a falar, a levantar-se e também o único cujo rosto é um pouco iluminado; e o secundário, que também se levanta e fala distintamente. Somos ainda capazes de percepcionar a presença de outros personagens que nunca se veem, nem se percebe o que dizem. Estes últimos estão sempre sentados falando e rindo em coro, que é exatamente a sua função na cena.

Cena#2 – Visita de Mr. Thompson à biblioteca Thatcher

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Mr. Thompson faz uma visita à biblioteca Thatcher, que é um memorial ao tutor de Mr. Kane, em busca de algum indício do significado da palavra “Rosebud” nos apontamentos de Mr. Thatcher. Logo à chegada depara-se com uma secretária que fala muito maquinalmente tal como se fosse uma guarda de algum cofre-forte. Ela dirige-o até uma porta de alta segurança, que mais uma vez mostra o elevado grau de proteção da sala.

Ao entrar na sala a música ouve-se muito baixinho e a secretária fala também muito baixinho, até a própria sala faz eco como se de um túmulo se tratasse. A sala está encerrada por uma porta como a de um cofre e o diário de Mr. Thatcher está guardado dentro de um outro cofre que é ainda guardado por um segurança. Só a mesa onde o diário é pousado é iluminada e não vemos as faces das pessoas, apenas as ouvimos.

É mais uma vez pelas vozes que sabemos qual é a estrutura das personagens. A música torna-se mais dramática quando a secretária dá as instruções e diz a Mr. Thompson o tempo que ele pode ali ficar. A porta é fechada aumentando a ideia de se tratar de um túmulo e a música aumenta o drama do momento. Os jogos de luz e sombra são mais uma vez fantásticos direcionando o olhar do espectador apenas para onde o autor quer, os movimentos de câmara ajudam também a intensificar o drama da cena.

Cena#3 – Mr. Thatcher vai buscar o jovem Kane

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É mais uma vez através do som que ficamos a conhecer a hierarquia entre as personagens. A diferença de volume das vozes faz com que a voz da mãe seja a que prevalece sempre pois é ela que ao falar mais alto se consegue impor e mostrar quem realmente manda ali e todos lhe obedecem. O pai tenta impor-se mas ninguém lhe dá ouvidos.

A primeira vez que a mãe chama Kane tem o auxílio da música, para aumentar o drama. Quando a mãe já perto dele o chama para lhe explicar que ele tem que ir com Mr. Thatcher a música para, aumentando o suspense. Existe um triângulo de personagens que tentam convencê-lo que ele tem que ir com Mr. Thatcher, o rapaz furioso agride-o atirando-lhe com o seu trenó. É mais uma vez a mãe que se impõe, gritando-lhe, o volume da música aumenta e há um plan0 próximo onde se veem os olhos raivosos do rapaz: é aí que a música atinge o clímax, contribuindo para a fúria do momento.

Cena#4 – Casal Foster Kane à mesa

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A música começa calma e o casal conversa animadamente. Começa a ver-se uma imagem de movimento, que dá a ideia do tempo a passar, entre os planos. A música vai-se tornando cada vez mais agitada, tal como as conversas do casal, o que intensifica ainda mais o momento. A imagem de movimento surge cada vez mais frequentemente e as também os planos do casal se sucedem mais rapidamente.

A música torna-se cada vez mais agressiva enquanto o casal discute com mais frequência. Por fim o casal deixa de se falar por completo e a música torna-se novamente lenta, ilustrando o rumo monótono e desinteressante que a vida do casal tomou.

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