Morangos Silvestres de Ingmar Bergman: beleza e redenção em filme
1957 foi um ano crítico para Ingmar Bergman. Trabalha profusamente como quem precisa preencher um vazio. Um vazio cada vez mais fundo, buraco negro sugando toda a sua dedicação e energia. Lança duas obras primas e embrenha-se na produção teatral de Peer Gynt de Henrik Ibsen.
1957 é o ano de estreia d’ O Sétimo Selo nas salas, sua magnífica forma de lidar com o medo da morte que sempre o acossou. É o ano em que escreve e realiza Morangos Silvestres, filme belo e redentor, que conta a história de Isak Borg (Viktor Sjostrom), médico e professor reformado de 78 anos que se prepara para receber uma distinção por seus 50 anos de carreira.
Isak é frio e distante, não se relaciona vivendo solitário em sua casa com a governanta Agda, companhia prática que lhe resolve o quotidiano e um ou dois furos emocionais mais superficiais.
A cerimónia distintiva é em Lund e o voo está marcado, mas Isak muda de ideia após um sonho em que se vê morto e resolve-se por uma viagem de carro com sua nora Marianne (Ingrid Thulin) que hospedava por um tempo.
Durante a viagem, Isak se revisita, toca na memória entendendo o presente gelado, abre-se com Marianne que o ouve serena e autêntica, presença reconfortante com toques de grande humanidade.
Morangos Silvestres é um filme ternurento que remexe a existência como um caldo de decisões e acontecimentos, coisas que nos marcam e nos dão caminho. Viktor Sjostrom (realizador sueco da época muda que tanto influenciou Bergman) como Isak traz-nos o peso da vida, o peso da morte e diz-nos, de alguma forma, que não faz mal, que tudo acabará aceite pela força das boas memórias.
Sua atuação é ímpar e culmina num dos close-up mais marcantes da história do cinema, cheio de entrega, aquece-nos o âmago e ilumina-nos a gruta, muitas vezes escura, da existência.
A arte é isto. Bergman dispersa-se pelos seus personagens e fala-nos de si, tão fundamente que nos toca a todos.